Sinto-me tocado em minha essência com os sentimentos mais torpes e perambulo pelo mundo fingindo ser outra pessoa que esconde sua verdadeira faceta atrás de sua timidez. Na timidez hipócrita, traiçoeira, basta criar meus personagens rastejantes e me tornar um galanteador ordinário, libertino, que pode ser apregoado como um ser inescrupuloso.
Extasiado com todos esses alter egos, acabo aprisionado em inverdades, e vivendo na duplicidade em cárcere privado do meu eu.
A condição de tímido é muito controversa. É como jogar contra si mesmo, escondendo seus desejos, vivendo em lamúria, andando na contramão dos seus sentimentos.
Gabriel era um rapaz introvertido, o que valia apenas para as pessoas avulsas ao seu grupo de convívio. Sua timidez era nítida e na maioria das vezes sofria muito por não conseguir negar um pedido, fosse de quem fosse.
Gabriel , pensando alto:
– Eu não poderia ter dado carona para o Eduardo. O cara mora a uns 10 quilômetros da minha casa! Mas não sei como dizer um não para esse infeliz.
Eduardo, amigo de faculdade de Gabriel era um sujeito um tanto quanto folgado, que não deixava de bater papo no fim da aula para não correr atrás do ônibus e ter aquela conversa com seu colega:
– Faaaaala Gabs! Como andam as coisas? Estudando muito? Rapaz, to num cansaço hoje! É aquela bendita dor no ciático, sabe? Será que você podia me deixar naquele barzinho cult perto da prefeitura?
Gabriel engolindo seco, responde sem disfarçar:
– Claro Dú.
Eduardo, afoito com sua conquista:
– Valeu cara, estou te devendo mais uma!
Gabriel só pensava em uma coisa durante o longo caminho: “Contabilizando tudo que já fiz por você em dinheiro, já estaria milionário…“
Depois de andar os seus 10 quilômetros fora do percurso, Eduardo se despede: – Até amanhã, Gaaaaabs!
Gaaaaaabs! Quer dizer, Gabriel, enquanto dirigia, pensava naquela menina especial, que já vinha flertando secretamente há alguns meses:
– Como vou chegar nela? Será que ela tem namorado? E a família dela, será que iria gostar de mim? E se ela não gostar de flores? Mas se ela preferir ir ao cinema do que jantar fora? Será que ela gosta de sushi ou de sanduíche de frango? Se eu levar ela pra comer, será que ela vai pensar que eu acho ela gorda? Já sei! Vou escrever uma carta narrando tudo o que sinto. Acho que vai surtir pelo menos algum efeito…
Quase terminando sua viagem, o rapaz imaginava o que falar para sua pretendente, enumerando diversos poemas, dizeres. Ansioso e inseguro, Gabriel cai na realidade e se pergunta obsessivamente tudo de novo: será que ela vai gostar?
Chegando à sua casa, ele pega um pedaço de papel e começa a escrever uma poesia desajeitada, um pouquinho brega, mas apaixonada. Lendo e relendo, ele julga que aquilo que escrevera é convincente o suficiente e sem pensar em mais nada, pega um envelope verde, pra guardar sua carta. Afinal, verde é a cor da esperança como já dizia O Mágico de OZ.
No dia seguinte, ele pede para Fafá, uma amiga, que entregasse aquele envelope verde reluzente para Alexandra, sua musa inspiradora. E assim, espera aflitamente uma resposta:
– Ai Meu Deus, será que eu fui cafona? Será que ela vai contar pra todas as amigas da sala dela e me ridicularizar? E se ela me odiou? E se ela tiver um namorado? E se ela não gostar de verde? AAAAAAAAH! – exclama enlouquecidamente ansioso.
Sem dormir a noite toda e após ter devorado dois potes de sorvete napolitano, finalmente amanhece e chega a hora de Gabriel ir a faculdade, viver a hora mais fatídica de sua vida (isso se a garota fosse conversar com ele, né?).
Entrou pelo portão e sentou em um banco, ao lado de um canteiro de gardênias que também ficava ao lado da cantina, que serviria caso ela gostasse de bombons, é claro.
De repente, lá vem Alexandra, banhada em perfume e em uma roupa escandalosamente linda. Sentou no banco e perguntou a Gabriel se eles poderiam conversar.
Após ficar visivelmente passado, em segundos o rapaz sentiu aquele friozão na barriga tomar conta do momento. Todos aqueles pensamentos começam a passar em sua cabeça na forma de um turbilhão! Um nervosismo intenso começa a correr pelas suas veias, deixando suas mãos gélidas e sua feição pálida e ao mesmo tempo ruborizada: (Ah! As pernas tremiam também!)
O tempo parecia ter parado e Alexandra parecia ter ficado muda: tudo por já estar tomado por uma ansiedade descomunal.
Alexandra começa a falar:
– Sabe Gabriel, eu não posso te enganar, você é um cara bacana, bonito, charmoso inteligente e…
Gabriel, estarrecido, já responde: – E???
– E eu não posso corresponder as suas expectativas. Eu tenho namorado, o Eduardo aqui da facul. Mas não fica assim não, você um dia vai encontrar alguém muito especial, que realmente te mereça e te faça muito feliz. A gente se fala, tá amigo?
E a conversa acaba com um sutil beijo no rosto.
Gaaaaabs! (OPA!) Gabriel, naturalmente bege, pensa:
– Como vou encarar o Eduardo? Será que ela vai contar para ele? Mas também, como que eu ia adivinhar? O cara só fala de carona, carona e carona.
– Eu sou ridículo.
.
.
.
Essas histórias, de tão manjadas, parecem até bobas. Porém, grande parte dos tímidos sofrem ao não saber expressar seus sentimentos, e acabam sendo vítimas de situações parecidas com essas.
Timidez em pequenas porções pode ser muito vantajosa: nos enche de pudor e cautela para realizar certas coisas, o que evita o arrependimento. Mas quando ela atrapalha seus relacionamentos , sua vida e seu dia a dia, as oportunidades se vão e não voltam, nos mais variados setores da sua vida.
A grande graça da piada é saber dosar.
Autor: Gustavo Rugila